LARGA a roupa!

Embora não me apetecesse, assumi levantar-me do sofá e sair daquela letargia apática e paralisante em que me deixei permanecer nas últimas horas. Convenhamos que havia um motivo para o fazer: estender roupa.

Desloquei-me até à máquina de lavar roupa e iniciei aquele processo de a reaver. Quem já experienciou esta vivência sabe que, dentro daquele tambor cinzento, a roupa tem vontade própria! Apenas se permite sair e ser livre quando decide desligar-se de outras peças. Às vezes, decide não o fazer e surge um emaranhado de peças, tortas, com nós entre si, recusando-se a abandonar o (des)conforto daquela situação (curioso este pensamento!).

Ora, dizia eu, estava no processo de retirar a roupa da máquina e transportá-la até ao estendal. O que fiz, um pouco dispersa, mente ora aqui, ora acolá. E, neste envolvimento físico com a roupa, dei por mim a sentir um desconforto considerável, provocado pelo enorme peso das peças enredadas no meu braço esquerdo – confrontada com a dificuldade acrescida da tarefa de preparar cada peça, livre e solta, e estendê-la nos fios preparados para a receber. No meio dessa amálgama de tecidos, procurei com os olhos, ingloriamente, os lençóis. Parei. Senti o desconforto no meu braço e olhei-o, apenas conseguindo observar aquele amontoado de roupa. Até este momento sempre tivera um critério – quem sabe se aprendido … – para estender as peças de roupa: as maiores primeiro, sempre, e apenas depois, e sequencialmente por ordem de tamanho, as outras. Fiquei parada a olhar para o braço. E, assim, de repente, como se finalmente se fizesse luz, pensei: posso estender as peças mais pequenas em primeiro lugar! Posso libertar o meu braço, largando estas peças de roupa, sem preocupação de tamanhos! Nada me obriga a manter a roupa no meu braço, para estender primeiro e apenas as peças grandes! LARGA a roupa! E, num relâmpago, várias ligações se fizeram na minha mente e percebi! Percebi que podia fazer o mesmo com a minha vida, que nada me obrigava a seguir o caminho que tinha, desde sempre, seguido. Nada, nem ninguém, me compelia a fazer como sempre fizera – ser “perfeita”, não falhar, antecipar as situações … Eu podia, tinha a opção de escolher, estender em primeiro lugar as peças mais pequenas! Largar a roupa que ia retirando da máquina, fosse qual fosse o seu tamanho. Podia até deixar de “estender-a-roupa-que-não-era-minha”! Largando. Deixando para quem de direito. Compreendi que não tinha de fazer tudo de uma vez. Que podia escolher o que fazer em primeiro lugar, em segundo, … Ficou claro, neste ápice, que era eu mesma quem colocava todo o peso em cima de mim, que olhava para as situações vendo-as como igualmente importantes e prioritárias. Mais ainda, dei por mim a perceber que, a possibilidade que nunca me tinha dado, de começar a estender a roupa que fosse surgindo revelava, de mim mesma, alguma rigidez. Estar apegada a critérios, regras, normas, e dá-los como verdades absolutas e inquestionáveis. Leis e critérios que, neste momento, não são meus, mas que venho a arrastar comigo – sem os questionar, qual autómato acéfalo. Percebi! E senti no mais profundo do meu Ser uma enorme liberdade e um bem-estar que, há muito, não sentia.

Sorri. Respirei fundo e permiti-me estender cada peça que veio de encontro à minha mão.

Esta história é baseada numa situação real – aconteceu com um Ser maravilhoso com quem tenho o privilégio de trabalhar em psicoterapia. E a quem expresso a minha Gratidão, por consentir a partilha deste momento especial de crescimento pessoal e de autoconhecimento.

M. Conceição Viterbo

 

 

 

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Publicado por M. Conceição Viterbo

Natural da cidade do Porto. Profissionalmente, sou Psicóloga Clínica, Instrutora de Mindfulness, Hipnoterapeuta Clínica, Formadora e Consultora.

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